A Justiça Federal do Brasil acaba de proferir uma decisão de extrema relevância para milhares de trabalhadores. A Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), por unanimidade, reconheceu a atividade de motoboy como Tempo de Serviço Especial, determinando a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de um segurado.
Esta decisão não apenas faz justiça a um segurado, mas estabelece um precedente vital para toda a categoria, historicamente marcada pela vulnerabilidade e pela alta exposição a riscos.

I. A Tese Vencedora: Periculosidade e Penosidade Inerentes ao Labor
O cerne da decisão está na interpretação sistemática da lei. Embora a categoria de “motoboy” não esteja expressamente listada nos decretos regulamentadores da Previdência, o Poder Judiciário não pode se omitir diante da realidade fática do trabalho.
A Desembargadora Federal Gabriela Araujo (Relatora) fundamentou a tese vencedora na periculosidade e na penosidade inerentes ao labor, destacando que o trabalho em motocicleta:
- É exercido em meio a tráfego urbano intenso.
- Utiliza veículo de alta vulnerabilidade.
- Exige deslocamento contínuo sob intempéries.
- É realizado em jornadas extenuantes e, por vezes, em pavimentação inadequada.
- Caracteriza risco real, permanente e não eventual à integridade física do trabalhador.
A magistrada concluiu que essa é uma realidade laboral que não pode ser ignorada pelo Poder Judiciário, sob pena de negar a proteção devida.
II. Os Dados que Comprovaram a Exposição ao Risco
A decisão foi embasada em dados estatísticos alarmantes que evidenciam o risco da profissão:
- Sinistralidade: Em 2023, os motociclistas representaram 38,63% das mortes no trânsito no Brasil.
- Vítimas em SP: Em 2024, as mortes de motociclistas chegaram a 43% dos óbitos no trânsito no Estado de São Paulo.
- Acidentes e Assaltos: Em levantamento de 2022, 25% dos entregadores por motocicleta sofreram acidentes e 8% sofreram assaltos durante a jornada de trabalho.
III. A Decisão Judicial e a Vulnerabilidade da Categoria
O acórdão reconheceu o período de 17/03/2014 a 19/07/2017 como especial, com base em documentos como CTPS, PPP, CNIS e laudo pericial.
A decisão não se limitou ao segurado, mas reconheceu a vulnerabilidade de toda a categoria:
- O Censo Demográfico de 2022 apontou um total de 589 mil motoboys em atividade.
- Deste grupo, apenas 26,3% contribuem com a Previdência Social, atuando majoritariamente na informalidade ou como autônomos.
Devido a essa vulnerabilidade, o Tribunal determinou a intimação da Defensoria Pública da União (DPU) para que analise a atuação no processo na qualidade de custos vulnerabilis (guardião dos vulneráveis), visando assegurar a efetividade dos direitos fundamentais desses trabalhadores.
IV. A Mensagem Final para o Trabalhador
A ausência de previsão formal nos decretos não pode obstar o reconhecimento judicial do seu direito. O Direito Previdenciário deve sempre honrar os princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e do Valor Social do Trabalho.
Se você trabalhou ou trabalha como motoboy, é fundamental buscar a análise do seu histórico profissional. Cada período de trabalho especial pode garantir a conversão do tempo e a antecipação de sua aposentadoria.
Acórdão Citado: Agravo Interno na Apelação Cível nº 5256561-28.2020.4.03.9999/SP (Relatora: Des. Federal Gabriela Araujo).
Por Margarida Campelo – Advogada previdenciária